A DECISÃO
- Luiz Carlos Hauly
- 22 de out. de 2006
- 2 min de leitura

Se o tempo pudesse retroceder, os cristãos certamente tentariam alterar a decisão do plebiscito mais famoso e o mais crucial da História, conduzido por Pôncio Pilatos, cônsul do Império Romano na Palestina, há quase dois mil anos. Plebiscito que decidiu pela libertação de Barrabás e pela condenação de Cristo ao mais cruel dos suplícios, a crucificação.
O tempo, infelizmente, não pode voltar atrás. Continuamente, no entanto, somos instados, no âmbito particular ou coletivo, sendo cristãos ou não, a decidir sobre pequenas e grandes coisas, que podem – e normalmente assim é – alterar nossa vida ou de toda uma sociedade.
A mentira ou a verdade, a justiça ou a injustiça, a virtude ou o pecado:
nossa vida é um constante dilema entre extremos de comportamento, uma escolha sem fim entre o certo e o errado.
Muito pouco se sabe sobre Barrabás além de sua participação involuntária num dos episódios mais emblemáticos do comportamento humano – a preferência coletiva por um ativista anti-romano, especialista em escaramuças contra soldados e instalações do império na Palestina, em detrimento dAquele que pregava a libertação espiritual não apenas de uma Nação, mas de toda a humanidade.
O que principalmente dividia os dois homens cuja sobrevivência Pilatos submeteu ao veredicto coletivo era o alcance de suas propostas. O primeiro limitava-se ao terreno material – livrar os judeus do jugo romano -, o segundo ao espiritual, o encontro da felicidade eterna pela submissão às leis divinas.
A decisão da patuléia pela libertação de Barrabás causou espanto em Pilatos, que não a compreendeu por não encontrar nada que incriminasse Cristo em relação às leis romanas, já que Ele havia sido detido por ordem do Sinédrio, o conselho religioso. Pilatos deu várias oportunidades para que o público revisse a decisão, e, ao constatar que ela não seria alterada, perguntou o que deveria fazer com Cristo.
- Crucifiquem-no, crucifiquem-no – foi a resposta que obteve.
- Que mal ele fez? – replicou.
- Crucifiquem-no – exigiu a platéia, peremptória.
Estamos às vésperas do segundo turno da quarta eleição presidencial desde a redemocratização e nossa decisão poderá, guardadas as infinitas desproporções em relação à vítima do julgamento histórico, que era Deus, reproduzir, no terreno moral, a mesma decisão do plebiscito coordenado por Pilatos.
Diferentemente das ocasiões anteriores, o que está em jogo desta vez não é um projeto de governo, pois ambos os candidatos defendem basicamente as mesmas propostas, mas se devemos ou não avalizar o prosseguimento de uma farsa, interpretada pelo presidente de turno, que deseja mais quatro anos de poder.
A farsa de um presidente que se elegeu sob a promessa de submeter suas ações e de seu governo à ética, ou seja, ao conjunto de procedimentos adequados e moralmente corretos, e que certamente já superou, em termos de gravidade, todos os desvios de conduta de seus antecessores, analisados individualmente.
Satisfazer seu desejo, renovando-lhe o mandato, equivalerá a exigir a crucificação da moral e, conseqüentemente, a libertação de todos os vícios que a corrupção, a mentira e a falsidade podem gerar, entronizando-os com pompa e circunstância no Palácio do Planalto.
Não podemos voltar o relógio, mas podemos, no próximo domingo, evitar que mais uma vez Barrabás seja libertado e a Justiça – e tudo o que ela implica, como a Verdade e a Honestidade -, crucificada.
LUIZ CARLOS HAULY é membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados
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