O Líbano e a revolução silenciosa
- Luiz Carlos Hauly
- 16 de mar. de 2005
- 3 min de leitura
LUIZ CARLOS HAULY
Os recentes acontecimentos no Líbano, provocados pelo assassinato do ex-primeiro-ministro Hafik Hariri, são a ponta do iceberg que esconde uma silenciosa, porém profunda, revolução política no Oriente Médio. Embora incipiente e peculiar a cada país, essa revolução silenciosa alimenta a esperança de que, enfim, os regimes ditatoriais endêmicos estejam com os dias contados.
A morte de Hariri, atribuída aos serviços secretos sírios e ocorrida no início do mês passado, levou parcela significativa da população libanesa às ruas transformando-se na maior história política daquela região - para exigir a retirada imediata das tropas sírias, que estão no país desde os anos 80, o que provocou a renúncia do primeiro-ministro Omar Karami e desestabilizou o poder do presidente Emile Lahoud.
O Líbano superou a guerra civil (1975-1990), mas os ferimentos que levaram sua população a uma luta fratricida ainda não estão cicatrizados. A presença Síria, tanto militar quanto política, já que o governo libanês deu mostras de sobra de comportar-se como fantoche de Damasco, tem a oposição de católicos maronitas, drusos e cada vez mais da população muçulmana sunita, mas conta com o apoio praticamente incondicional dos muçulmanos xiitas, um dos grupos étnico-religiosos mais numerosos aglutinados em torno do Hezzbollah.
Hariri provocou sua sentença de morte ao se tornar um adversário da influência síria em seu país. Sua morte incendiou o país, revelando, mais uma vez, a profunda divisão dos lilbaneses, mas, em compensação, colocou os sírios contra a parede. O regime sírio, comandado por Bashar al Assad, sucessor do ditador Hafez al Assad, aceitou, enfim, retirar suas tropas, mas pediu tempo para pôr em prática essa decisão. As Nações Unidas aprovaram no final do ano passado resolução exigindo a retirada imediata e incondicional das tropas sírias, sem o aval do Brasil de Lula, mas Damasco havia dado de ombros – só a aceitando gradualmente após a mobilização dos libaneses e da pressão internacional.
Politicamente, no entanto, não há mais clima para Assad manter suas tropas no Líbano e a retirada delas é apenas questão de tempo.
A “revolução” pacífica libanesa chama a atenção para outros acontecimentos em países da região, menos rumorosos que as gigantescas concentrações em Beirute. O presidente egípcio Hosni Mubarak pediu ao Parlamento que emende a Constituição para permitir que a presidência da República – que estará em jogo dentro de alguns meses – seja disputada por mais de um candidato e libertou, sem alarde, o principal líder da oposição, o deputado Ayman Nour. A Arábia Saudita realizou no início do mês eleições municipais – fato inédito, embora localizado. As eleições legislativas no Iraque em janeiro – plenas e livres, apesar do ambiente belicoso do país – e, em dezembro passado, as eleições para a escolha dos líderes da Autoridade Nacional Palestina comprovam que o mundo árabe já não é mais o mesmo.
A que atribuir essa mudança que – repetimos - , embora incipiente e frágil, pode estar mudando os rumos políticos do Oriente Médio?
A primeira causa que salta à vista é a determinação do presidente George W. Bush de construir o “Grande Oriente Médio” democrático para, assim, atenuar as causas do terrorismo islâmico, que tem suas raízes, logística, “soldados”, inspiradores – e por que não motivações? - no mundo árabe. A política de Bush para esta região assemelha-se, guardadas as devidas proporções e peculiaridades, às iniciativas vitoriosas de Ronald Reagan, na década de 80, para democratizar o Leste Europeu.
Esta determinação de Bush fez aflorar – e esta talvez seja a causa que poderá levar essas mudanças incipientes a um efeito mais amplo e duradouro – a insatisfação dos jovens árabes, que, ao contrário de seus pais e avós, têm acesso à informação, possibilitada pela internet e pela tevê a cabo, e apostam na influência norte-americana para levar adiante suas aspirações de liberdade.
O Oriente Médio, enfim, está mudando. Há um longo, longuíssimo caminho a percorrer. Mas os primeiros passos estão sendo dados.
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