Os ditadores e os radicais
- Luiz Carlos Hauly
- 26 de dez. de 2006
- 3 min de leitura
O desaparecimento físico de Augusto Pinochet ocorreu 20 anos, três meses e três dias depois que a esquerda radical tentou obtê-lo à força. Foi em 7 de setembro de 1986, a quatro dias de mais um aniversário do golpe de Estado que depôs o presidente socialista Salvador Allende: a comitiva do general foi emboscada no final da tarde – era um domingo – no Cajón del Maipo, nome poético para um lindo e ao mesmo tempo desafiador desfiladeiro nas proximidades de Santiago.
O general voltava de sua casa de campo, batizada de “El Melocotón”, quando um destacamento da Frente Patriótica Manuel Rodriguez se lançou sobre ele e seus seguranças. Cinco guarda-costas morreram. Pinochet e seu neto, que viajava a seu lado, escaparam ilesos. A vida do general foi salva mais pela perícia de seu motorista, que abriu caminho em marcha à ré numa estrada sinuosa e bloqueada por veículos dos terroristas, do que pela blindagem de sua Mercedes, que recebeu vários impactos.
O atentado foi o último e mais dramático ato da ampla ofensiva da oposição ao regime militar, iniciada em 1983 com sucessivos e massivos protestos de rua liderados pela Democracia Cristã. Uma vez esgotado este recurso sem que objetivo, que era a renúncia de Pinochet ou a abertura de seu regime, fosse alcançado, a extrema-esquerda sentiu-se credenciada a buscar uma solução radical. O Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR, em sua sigla em espanhol), atuante no início da ditadura, havia se esfacelado. Seu lugar fora ocupado no espectro político pela Frente Patriótica Manuel Rodriguez.
O fracasso do atentado fechou todas as portas para a antecipação do calendário político fixado por Pinochet. A oposição queria revogar o plebiscito previsto para 1988, quando os chilenos seriam convocados a decidir se dariam ou não mais oito anos de mandato ao general, e iniciar o quanto antes o processo de transição.
Fechada essa porta, todos previam vitória certa de Pinochet no plebiscito – esta era, no final das contas, o objetivo da consulta popular. Os fatos, no entanto, traíram as evidências: por apertada vantagem, o “não” venceu o “sim”. Pinochet entregaria o poder pouco mais de um ano depois, mas manteria ainda por uma década o comando das Forças Armadas e, em caráter vitalício, o cargo de senador.
Pinochet desapareceu, mas seu legado irá perdurar por muito tempo. O Chile é hoje o país de economia mais pujante de toda a América Latina – o “boom” começou a se manifestar justamente no ano em que atentaram contra a vida do general - porque o regime militar a organizou sobre bases sólidas. Mas o custo dessa vitalidade, em termos de vidas, sofrimentos e traumas é por demais grande. O Chile continuará dividido entre os que cultuam a memória do general e os que a execram.
A morte de Pinochet encerra um ciclo político não apenas do Chile, mas de toda a América Latina. As ditaduras militares e os ditadores desapareceram – os que sobrevivem, como alguns generais argentinos, pagam no ocaso de suas vidas o sofrimento que provocaram. Dos movimentos guerrilheiros restam apenas as Farc, na Colômbia, mas sua ideologia há muito foi substituída pelo brilho do dinheiro fácil obtido com o tráfico de drogas. Os ditadores passaram. A esquerda radical também.
LUIZ CARLOS HAULY (PSDB-PR) é membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e presidente do Fórum Interparlamentar das Américas
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