Reforma tributária: Congresso deixa para depois análise de cesta básica, 'cashback' e alíquota do IV
- G1
- 22 de ago. de 2023
- 5 min de leitura
Proposta aprovada na Câmara prevê mecanismos, mas não traz regulamentos. Discussão terá que ser feita por meio de lei complementar ou ordinária.
Por Alexandro Martello, Lais Carregosa e Ana Paula Castro, g1 e TV Globo — Brasília
22/08/2023 04h00 Atualizado há 8 horas
Após décadas parada no Congresso, a reforma tributária foi aprovada em julho pela Câmara dos Deputados.
Antes de se tornar válido, o texto precisa ser analisada pelo Senado que prevê a votação em outubro. Depois, se houver alteração dos senadores, a proposta retornará aos deputados para nova rodada de análise. O principal objetivo da reforma é simplificar e facilitar a cobrança dos impostos. Em linhas gerais, a proposta inicial estabelece a substituição de cinco tributos por dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs):
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): com gestão federal, vai unificar IPI, PIS e Cofins
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): com gestão compartilhada estados e municípios, unificará ICMS (estadual) e ISS (municipal)
O texto também prevê a criação de um imposto seletivo sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas. Apesar disso, temas considerados mais "complexos" e "polêmicos" ainda não foram definidos na Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Com isso, o formato será fechado somente depois, por meio de lei complementar ou ordinária.
Essa parte é chamada de "regulamentação" da reforma tributária, prevista para acontecer somente a partir de 2024 — isto é, se a PEC caminhar conforme o previsto neste ano no Congresso Nacional.
Entre esses temas, estão:
Definição da alíquota necessária para manter a carga tributária estável. Estimativas do governo apontam que a tributação pode chegar a 27%, o que seria uma das maiores do mundo.
Deliberação sobre quais itens serão incluídos na cesta básica, que contará com isenção dos futuros impostos sobre consumo federal, estadual e municipal.
Definição das alíquotas do imposto seletivo e dos IVAs federal, estadual e municipal necessárias para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus.
Determinação de quais produtos e serviços poderão contar com alíquotas reduzidas. A PEC traz as categorias que serão beneficiados, mas o benefício terá de ser detalhado por bens e serviços, o que acontecerá somente depois por meio de lei complementar.
Formação do conselho federativo, que será responsável por fiscalizar e acompanhar a divisão dos recursos entre o governo, estados e municípios.
Critérios de distribuição entre estados e municípios dos recursos do fundo de desenvolvimento regional, que tem o objetivo de reduzir as desigualdades entre as regiões.
Regimes específicos de tributação para o setor financeiro, incluindo o ramo de seguros, além de combustíveis para operações com imóveis (incorporação, aluguel, imóveis residenciais e comerciais).
Produtos que terão cobrança do imposto seletivo — apelidado de "imposto do pecado" —, criado para desestimular produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Funcionamento do "cashback", a devolução de parte do imposto pago às famílias de baixa renda.
Secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy avalia que a regulamentação da reforma tributária terá um "escopo grande".
Segundo ele, alguns pontos já estão sinalizados na PEC discutida pelo Congresso, mas outros ainda terão que ser detalhados via lei complementar.
🔎 Para entender: leis complementares servem para regulamentar dispositivos específicos da Constituição. A aprovação depende de número menor de votos, em comparação às PECs — 257 deputados (em dois turnos) e 41 senadores (em somente um turno).
O cronograma da Fazenda prevê que, se a reforma tributária for aprovada ainda neste ano, a regulamentação será feita entre 2024 e 2025. Com o término dessa fase, poderá ter início, em 2026, a transição dos atuais impostos para o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
"Todos regimes específicos vão ter que estar detalhados na lei complementar, embora alguns já tenham algumas sinalizações. [...] Estamos falando de um escopo grande. Isso vai estar na lei complementar, assim como na lei complementar vai estar o detalhamento dos bens e serviços que vão estar sujeitos à alíquotas favorecidas", diz Appy.
O que dizem analistas
Para Gabriel Quintanilha, professor da FGV Direito Rio, o início da transição em 2026, como prevê o texto da PEC, vai depender da força do governo federal em negociar a reforma e da velocidade do Congresso Nacional em aprovar as leis complementares.
“Existem mais de 50 menções no texto da reforma tributária à lei complementar. Essa quantidade absurda de leis complementares vai ter que ser aprovada pelo Congresso”, afirma.
Na avaliação de Quintanilha, há uma “abertura muito grande” para o que poderá ser regulamentado por lei complementar, como a abrangência do imposto seletivo.
O texto aprovado pela Câmara dos Deputados prevê que o chamado "imposto do pecado" poderá incidir sobre a “produção, comercialização ou importação de bens e serviços" prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, mas não aponta quais serão os itens com tributação adicional.
O Planalto já sinalizou que, com o imposto seletivo, mira produtos como cigarro e álcool. Gabriel Quintanilha argumenta, porém, que o conceito do que é nocivo à saúde é abrangente e pode incluir outros produtos no futuro, como fast food.
A advogada tributarista Mariana Ferreira avalia que a PEC poderia também indicar o critério de escolha dos produtos da cesta básica nacional isenta de cobrança dos |IVAs. A proposta aprovada pela Câmara estabelece que a definição cabe a uma lei complementar.
Mariana considera, porém, que essa discussão poderia retardar a aprovação da PEC, que aguarda análise do Senado.
“Uma emenda à Constituição não tem pretensão de esgotar todos os assuntos. Se não, a Constituição seria gigantesca [...], mas, ao mesmo tempo, não deveria ter jogado toda a responsabilidade para o texto da lei complementar”, diz a advogada.
Por outro lado, a advogada defende que a definição da alíquota do futuro imposto é um tema pertinente à lei complementar.
“Fixação de alíquota já acho que não é função da Constituição. Não tem como constituinte falar quais serão as alíquotas do novo imposto, porque é um ponto mais específico, mais técnico. A Constituição vai dar o panorama."
A reforma

Discutida há décadas, a reforma que caminha no Congresso trata dos impostos sobre o consumo. O avanço é considerado prioritário pelo Planalto para aproximar as regras brasileiras do resto do mundo e reformar um sistema que é considerado "caótico" por empresários e investidores. para aproximar as regras brasileiras do resto do mundo e reformar um sistema que é considerado "caótico" por empresários e investidores.c para aproximar as regras brasileiras do resto do mundo e reformar um sistema que é
O governo avalia que a simplificação dos impostos no Brasil é fundamental para destravar a economia, impulsionar o crescimento do país e a geração de empregos.
Analistas estimam que a reforma tributária sobre o consumo tem potencial para elevar o Produto Interno Brasil (PIB) do Brasil em, no mínimo, 10 pontos percentuais nas próximas décadas.
▶️ Não cumulatividade
Com a implementação dos IVA* no Brasil, os tributos passariam a ser não cumulativos. Isso significa que, ao longo da cadeia de produção, os impostos seriam pagos uma só vez por todos os participantes do processo.
Atualmente, cada etapa paga os impostos individualmente, e as cobranças vão se acumulando até o consumidor final.

*No exemplo, foi considerada uma alíquota fictícia de 10%. O texto aprovado pela Câmara não estabelece quais serão as alíquotas adotadas para o IVA.
▶️ Cobrança no destino
Outra mudança é que o tributo sobre o consumo seria cobrado no "destino" — ou seja, no local onde os produtos são consumidos. Deixaria de existir, portanto, a cobrança no local em que os bens são produzidos.
A mudança contribuiria para combater a chamada "guerra fiscal", nome dado a disputa entre estados para que empresas se instalem em seus territórios por meio de incentivos fiscais.
▶️ Outros pontos
Simplificação do sistema:
Investidores reclamam do elevado número de tributos e da complexidade do sistema tributário brasileiro. Eles avaliam que isso afasta investimentos.
No caso do ICMS estadual, por exemplo, há 27 diferentes legislações vigentes no país – uma para cada estado, incluindo o Distrito Federal. Com o IVA, haveria uma legislação única.
A disputa judicial entre Estado e contribuintes já soma R$ 5,4 trilhões (dados de 2021), montante que equivale a 75% do Produto Interno Bruto (PIB). Um dos objetivos da reforma tributária é reduzir, em consequência de regras mais simples, as disputas na justiça.
Barreiras contra sonegação:
A reforma discutida no Congresso fecha brechas existentes atualmente para a sonegação de impostos. Além disso, de acordo com estimativa do governo, deve reduzir custos e estimular investimentos estrangeiros.
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